segunda-feira, 30 de março de 2009

Saí à rua


Saí à rua
Depois de atravessar o vão húmido das canalizações cansadas no meu prédio, avistei a Baia na minha hora preferida. No dia anterior tinha chuvido intensamente pelo que a Marginal tinha a cor da terra arrastada pela tempestade.
O motorista já estava à minha espera junto à carrinha que nos ia levar para um cafezinho numa das pastelarias estilo português de Luanda. Antes disso aproveitei para fumar um cigarro com o primeiro ar exterior do dia. A cidade estava diferente, outra vez. Esta é, provavelmente, a única coisa que caracteriza a Luanda de hoje. Todos os dias é uma cidade diferente.
Como era domingo, o trânsito não nos condicionou e podemos atravessar o centro sem grandes demoras. O lixo acumulado nas bermas estava agora espanhalhado pelas chuvas e um número infindável de buracos nas estradas tinha nascido.No entanto, a graça de África sobrepôs-se e senti-me muito bem durante a curta viagem.
Não há tempestade que estrague a minha hora preferida.

chuvita de sábado a anoitecer

Esta chuvada, nem sequer particularmente violenta, transforma as ruas de Luanda em papa amarela deslizante, que apesar de tapar alguns dos buracos de um lado, abre o dobro do outro. No dia seguinte, as palmeiras andam todas tortas e a lama pinta as superfícies verticais até à altura do joelho. A trovoada é potente e consegue impor algum respeito até àqueles que gostam de ouvir um bom trovejar de fim de tarde. Quando seca, o que a + de 30º não demora mais do que… minutos, a poeira que anda pelo ar deve dar para suster um levitador pouco experiente… E ainda a época das chuvas vai começar. Cá como lá, se diz Abril águas mil, ou pelo menos tenta-se dizer, que isto de ditos populares varia conforme a latitude…

novo código no dia das mentiras

Dia 1 de Abril entra em vigor o novo código de viação em Angola, e parece que não vai ser mentira, pelo menos nos primeiros dois dias até as autoridades perderem o controlo de uma situação cujo mínimo domínio nunca tiveram…
Cintos de segurança obrigatório, proibição de falar ao telemóvel e manter uma distância de segurança lateral e lotação limitada são algumas das inovações. Inspecção automóvel também obrigatória, o que vai fazer interessante ver como é que os candongueiros e o público em geral vai lidar com a hecatombe que seria para a vida diária das pessoas se esta imposição fosse levada a sério… Se os puserem fora da estrada vai haver umas férias em massa a não ser que vá tudo acampar para a porta do trabalho, o que pelo que se vê nas ruas não é uma ideia assim tão peregrina…

Há que compreender que a maioria dos condutores aqui da terra não fica à espera de questões administrativas para dar à chave na viatura. O processo é natural e começa-se por guiar, ser apanhado sem carta, guiar, ser apanhado sem carta, guiar e agora tirar licença, o que pode ser conseguido, dizem as línguas viperinas da reacção, por 500$ sem ter de gastar tempo útil a fazer o exame propriamente dito. Um género de passagem administrativa como o governo Sócrates anda a fazer com a educação em Portugal, depois do chefe de “governo” ter experimentado pessoalmente os benefícios da coisa.
Mais nesta frente depois de se ver o que isto vai dar. A ver se conseguem tirar meia dúzia de carros das ruas. Um deles até pode ser que o camião de 18 rodados que passou hoje a 50 à hora rente ao nosso nariz numa rua de 100m. O motorista diz que estes tipos eram condutores de táxis que passaram para a artilharia pesada. Não temos razões para duvidar do bom discernimento do senhor..

sexta-feira, 27 de março de 2009

a vida é uma festa... vamos lá

04.02.44

..está inaugurado..

.. esta imagem foi tirada no dia 22/03 no Miradouro da Lua, a uns 30 Kms a sul de Luanda, que deu nome à primeira co-produção luso-angolana, O Miradouro da Lua (1992) do cineasta Jorge António. É uma arriba fóssil, com os flancos bastante erodidos em que o vermelho da terra se intercala por montes cinza lunares envoltos em verde vivo. Junto com o azul do mar, forma uma combinação de estranheza ao olhar mais poético. Para os malucos das pedras, posso dizer que se trata do Miocénico-Oligocénico na base e Pliocénico-Plistocénico no topo. Do cimo do morro têm-se uma vista imensa do mar sem ondas que encalha nesta costa. Dizem-me que é um mar perigoso pelas marés traiçoeiras que por lá se mexem, mas suspeito que o perigo maior que provoca afogamentos nestas águas é a combinação do álcool com uma intrínseca incapacidade para a prática da natação sem pé..

Na volta para Luanda, ao fim da tarde, o trânsito, apesar de mau, não era dos piores, dado que a partida do Papa fez com que 2ªfeira fosse um mais ou menos feriado, instituição que por aqui é bem respeitada e encarada de forma séria, ah pois é… Aconselho grande atenção a quem se meter à estrada nestes fins-de-semana. A combinação da loucura ao volante com o mau beber provocou o testemunhar de três rijos acidentes em 40 Kms de estrada. De notar que raramente se tratam de toques. As viaturas ficam prontas para o ferro velho e o 115 (por aqui ainda é este o nº; o da policia é 113) não está ali ao virar da esquina..

Para dizer a verdade, a memória que tenho das estradas portuguesas, nas viagens que fazia para a terra do meu pai, 25 anos atrás, não difere muito da que encontro em Angola. A grande diferença é que a maioria dos condutores não tem licença de condução e aprendem on-the-job, de boa vontade ajudados pelos chineses que estampam camiões contra tudo o que mexe, incluindo embondeiros que atravessam a estrada sem olhar para os lados…

Resumindo, o miradouro da lua vale o nome e a visita, mas não confiem nos cartazes... é que a natureza humana leva dias a esculpir superfícies destorcidas, e espaço para um belo condominio com vista para esta harmoniosa imensidão não será um dos problemas...